“Um país que não seja bom para um homem negro ou um cadeirante viverem não é um lugar bom para ninguém viver!” Essa foi uma das frases usadas por Marcelo Yuka, ex - baterista e fundador da d’O Rappa, ativista e agora político na palestra dada no Centro Cultural Joaquim Lavoura em São Gonçalo na noite de segunda-feira (28).

 Desde cedo o auditório estava lotado. Encontrava-se lá um grupo bem eclético de pessoas que reuniam desde jovens estudantes a idosos interessados na fala do músico/ativista e que esperavam em clima de grande expectativa sua. No pátio, o renomado grafiteiro gonçalense, Fábio Ema, iniciava sua arte em um tapume devidamente posicionado para ser visto por quem entrava no local.

 O músico chegou descontraído, a princípio tímido e surpreso com a presença de tantas pessoas, “talentos escondidos” como ele mesmo fez questão de frisar. “Eu vim de um lugar parecido com São Gonçalo, uma cidade dormitório por assim dizer. Campo Grande (bairro da zona leste do Rio de Janeiro) também esta distante do “cartão postal” e por isso na maioria das vezes um trabalhador tem de enfrentar uma jornada de ida e volta para o emprego de até quatro horas em um trem lotado, em um ônibus sem condições de conforto mínimo, na maioria das vezes em pé e após a chegada ao trabalho enfrentar uma jornada de dez horas ou mais no emprego. Esse cara volta pra casa tarde e sai cedo, não tendo nenhuma condição de viver sua vida, de um tempo pra si. Um homem talentoso, mas invisível para o sistema.

 Em sua fala direta, recheada de palavrões e ironias, Marcelo destila seu ativismo a favor das classes desfavorecidas: “Se repressão fosse solução para violência o Brasil seria o país mais pacífico do mundo!”, pede por reflexão acerca da politica anti-drogas: “não sou a favor do narcotráfico e nem faço apologia as drogas, mas nessa politica são usados dois pesos e duas medidas! Se mata mais gente para tentar impedir que pessoas morram pelo uso de drogas do que a própria droga em si o faz.”

 Em determinado momento de sua fala, deixa claro o que pensa da própria condição (em 9 de Novembro de 2000 Marcelo recebeu nove tiros ao parar com seu carro em meio a uma tentativa de assalto): _É claro que eu sofro, mas isso aqui (a deficiência) só é mais um problema. Seu eu estivesse andando seriam outras tretas pra resolver. No fim isso é só mais uma treta. - e continua - Eu não quis me vitimar nessa situação. Parecer o coitadinho! Eu já fui chamado três vezes para ir ao Faustão, eu sei o que aquele gordo filho da p... quer de mim. Ele quer usar a minha condição pra causar comoção e gerar ibope. Ele iria fazer minha mãe chorar, eu chorar e o público chorar somente com um sentimento mercadológico por trás, como se eu como cidadão só tivesse isso a oferecer hoje em dia. Pode ser até que eu vá um dia, mas se eu for você vai poder dizer “O Yuka ta f..., precisando de dinheiro”, porque enquanto eu puder comprar pelo menos uma latinha de sardinha eu não apareço lá meu irmão! Me transformar em um produto como fez a Casé com esse jovem que morreu. Mais um morto pela polícia. Amiga dos pobres é o c...! Aquele programa foi idealizado pelo Hermano Vianna, não somos muito próximos, sou mais amigo do seu irmão Hebert Vianna, mas o Hermano que possui um trabalho muito sério na área de antropologia é um grande apoiador das UPP’s! O próprio Esquenta já fez apologia da instalação da UPP do Alemão, assim como a Globo é a maior propagadora desta politica de repressão._É um jogo de manipulação.se você opta por um ato violento, esse ato marca nossa memória. Você pode esquecer que durante muito tempo tinha uma escola pública ali, no Complexo do Alemão com senhoras que ganhavam muito pouco para fazer o que faziam. Anos a fio. Mas você não esquece os tanques e a polícia botando aquela horda pra sair. Existe uma coisa chamada indução. Socialmente o Estado tem como induzir as pessoas. A Alemanha pré-Hitler assumiu o nazismo induzida. Induzida pelo partido nacionalista, que dizia assim, vai ter mais emprego pra você se tiver menos judeus. Hoje a Alemanha não aceita que foi induzida, ela diz: “Aquele ditador.” Mas não, ela foi induzida. Ele tomou uma série de ações e o povo foi seguindo. É isso o que o governo faz.

 A verve politica de Yuka a todo instante salta em fala, e o músico tem munição o suficiente para atirar para todos os lados:”_Eu estava vendo aquele programa de bandas da Globo... meu irmão, aquilo me deu uma depressão danada! P... quem é Ivete Sangalo, Fábio Júnior e aquele outro lá pra dizer se a sua banda é boa ou não? Você ensaia pra c... para o cara dizer que não gostou de você por causa do teu cabelo? E o pior é que isso vira um padrão! Você tem de passar por essas coisas pra ser aceito. Houve uma festa na minha casa e minha mãe falou pra uma amiga que eu era músico. A coroa perguntou: você é músico? Respondi que sim e ela perguntou: Você já foi ao Faustão? Eu disse que não e ela bufou e virou de costas! Cagou pra mim! Pombas, eu preciso de ir ao Faustão pra ser alguma coisa! Desde quando ir a um programa desses é parâmetro de qualidade?” _ Fã convicto do funk carioca, Yuka é categórico em seu veredito sobre o funk ostentação: É coisa de quem tem o pau pequeno.

 Yuka termina a sua fala de maneira comovente, convocando a todos pensarem como comunidade: “Você amar o seu filho, seu irmão, seu tio é fácil! Isso não te faz melhor. Paulo Maluf e Hitler são todos filhos da p... mas amam seus filhos. Difícil é você amar o próximo, aquele que você não conhece. A igreja te diz para amar o próximo, a escola te diz para amar o próximo, mas quando você vai amar o próximo à sociedade te diz: Você tá maluco cara? Logo após eu receber alta depois dos tiros, iniciei um trabalho em presídios e o olhar de espanto dos caras era significativo, dava pra entender o que eles estavam pensando: ”Pô, esse cara foi baleado por um cara igual a mim e agora ele tá aqui querendo me ajudar!”